‘Mashup’ bell hooks e Milton Nascimento: Jovens são cínicos em relação ao amor

Eu sei. Não é um mashup de verdade por dois motivos bem óbvios: primeiro, bell hooks não foi cantora — embora tenha sido tantas outras coisas incríveis. Segundo, essa parceria entre ela e nosso querido Bituca só existe na minha cabeça mesmo e vocês que lidem com isso.

Antes de começar, queria dedicar este post ao José Waldez, do O GROOVE. Não que eu o considere cínico com relação ao amor, mas porque recentemente conversamos sobre o desejo de ter mais tempo para escrever em nossos espaços e cá estou eu fazendo justamente isso.

Este é um post músico-literário-filosófico, se é que eu posso chamar de “filosofia” o que faço justamente quando trago bell hooks para a conversa. Embarca nessa comigo?

Tudo sobre o amor: perspectivas

Para começar meu ano literário, quis honrar bell hooks, “a autora, professora, teórica feminista, artista e ativista antirracista norte-americana” que, infelizmente, nos deixou em dezembro de 2021. Assim, uma das minhas primeiras escolhas para 2022 foi Tudo sobre o amor: perspectivas; o primeiro de uma trilogia de livros que versa sobre o assunto.

Ainda não acabei. A verdade é que mal consegui começar quando meus dedos formigaram com vontade de escrever. A primeira coisa que fiz foi pegar papel e caneta (literalmente, eu amo escrever à mão) e fazer algumas anotações simples que me inspirariam para depois e segui com a leitura.

Não bastou. A frase seguinte era justamente “Jovens são cínicos em relação ao amor” e eu me rendi. Precisei parar, pegar o notebook e tentar uma forma de colocar todas as ideias que fervilhavam na minha mente no papel (não-literal).

Se você nunca leu bell hooks, fica a dica. Neste livro, a autora se propõe a responder o que é o amor em uma tentativa de nos fazer reaproximar desse sentimento tão essencial. Estamos longe de falar do amor romântico que faz duas pessoas se apaixonarem instantaneamente e viverem felizes para sempre sem esforço.

Amor requer trabalho e compromisso, e a gente tem fugido bastante disso. Ainda não sei por qual motivo a autora fala do cinismo dos jovens em específico, mas suponho que isso tem a ver com uma mudança na sociedade que eu mesma já observei e é provável que você também.

“Temo que estejamos criando uma geração inteira de jovens que crescerão com medo de amar, com medo de se entregar completamente a outra pessoa, porque terão visto quanto dói correr o risco de amar e não dar certo. Temo que eles cresçam procurando intimidade sem risco, prazer sem investimento emocional significativo. Eles terão tanto medo da dor da decepção que renunciarão às possibilidades do amor e da alegria”

O trecho acima é uma citação extraída do livro, creditada a Harold Kushner. É com base nela que enxergo o cinismo que, por sua vez, se baseia no medo. O medo da decepção tem feito (supostamente) com que a juventude contemporânea diga não se interessar pelo amor.

bell hooks menciona uma conversa com uma rapper cujo nome não sabemos e que afirma não saber o que é o amor por nunca ter vivido um. Quanto a isso, tenho duas observações a fazer: podem existir motivos graves para que uma pessoa desconheça o amor e não há aqui qualquer tentativa de relativizar isso e não foi essa tal rapper que me fez pensar em música e querer escrever um post novo pro Yellow.

Não existe amor em SP

Amor. Medo da dor. Juventude. Cinismo. Acredito que foi essa combinação de elementos que fez a música Não Existe Amor em SP, na voz de Milton Nascimento, ecoar na minha mente e “atrapalhar” a continuidade da leitura, uma vez que se transformou em um convite à escrita.

Caso você ainda não saiba, me cabe destacar que a música foi lançada pelo Criolo, em 2011, e relançada em 2020 em parceria com o Bituca. Uma matéria da Rolling Stones informa que essa reinvenção da canção buscou um tom mais emocionante “para ajudar pessoas vulneráveis da cidade”.

O que a dupla buscava era incentivar doações às organizações que ajudam pessoas em situação de vulnerabilidade e não há dúvidas de que isso é incrível.

Faz algum tempo que eu encaro a canção como um convite ao amor. À época do lançamento, era um convite ao amor solidário já que sua proposta partia da ressignificação do título para indicar que, na verdade, existe amor em essepê e que as pessoas estariam dispostas a demonstrar isso.

Depois, passei a pensar no amor de uma forma mais geral. Minha mente se voltou para o fato de que a coragem para amar e deixar o cinismo de lado demanda outro tipo de vulnerabilidade; aquela que nos permite despir a alma e que, diferente da outra, é bem-vinda.

Foto: Fred Siewerdt | Vídeo: Não Existe Amor em SP

Diz aí, você está começando a entender as conexões que minha mente criou entre bell hooks e Milton Nascimento?

“Os bares estão cheios de almas tão vazias”

Fiquei mesmo pensando nessa dificuldade de amar. Nos últimos anos, enquanto sociedade, a gente viu esse problema se agravar e se arrefecer ao mesmo tempo, embora não de maneira proporcional. Eu ainda tenho a sensação de que amamos pouco, por mais bonitas que algumas demonstrações de solidariedade e compaixão tenham sido nos momentos em que o país e o mundo mais precisaram.

Tudo isso me faz questionar o quão enfraquecidos nós estamos. Você sabe dizer?

Amar é para os fortes

Algo que bell hooks nos conta é que o medo que os jovens (e talvez não só eles, devo dizer) sentem do amor tem a ver com a ideia de que amar é sinal de fraqueza. Talvez os motivos para essa percepção variem a nível pessoal, mas eu consigo entender de onde vem.

É difícil ser vulnerável e se abrir para a possibilidade de quebrar a cara, ficar com o coração partido e sentir uma dor que a gente acha que não vai ser capaz de superar e, pior, ter as pessoas ao seu redor minimizando ou até ridicularizando isso. Esse é um raciocínio que vem lá da minha adolescência.

Coragem e força tem quem mete as caras e liga o f**** pra tudo isso simplesmente por acreditar no amor e acreditar merecer amar e viver em reciprocidade. Acho inegável que todas as pessoas queiram o mesmo, mas suspeito que há um medo quase coletivo que faz com que muitos desistam ou finjam desistir. O tal do cinismo aí.

Existem incontáveis músicas que se opõem à construção do amor, ao esforço real que o amor envolve. Falam de farra, de não querer nada sério, de trair… Não me entenda mal, eu sou favorável às duas primeiras coisas que mencionei. Acontece que minha mente fervilhante me fez pensar se, em algum momento, essas letras se tornam uma espécie de respaldo à ideia de não se abrir de verdade ao amor.

Séries e filmes também fazem isso, tá? Mas, no fim das contas, não sei se é preciso problematizar tanto. Talvez, nos baste ressignificar as ideias tal qual Criolo e Milton Nascimento fizeram e mostrar que existe amor sim. Mas a gente tem que querer. Mesmo.

Eu tô querendo. E você?

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