Me tornei (mais) saudosista na era da Música de TitTok

Pode não parecer, mas este é um post sobre música; assim como todos os outros do Yellow. E pode não parecer, mas este não é um post contra o TikTok. Eu mal vivencio o aplicativo para dizer qualquer coisa a respeito.

A verdade é que vim falar sobre uma “exigência” por músicas mais curtas que já começou a impactar o mercado (infelizmente).

Acredite, escrever sobre música me fez uma pessoa muito mais aberta a conhecer o novo, explorar gêneros e estilos. Foi assim que eu aprendi, por exemplo, a respeitar artistas que arriscam sair da sua zona de conforto, mesmo sabendo que podem ser massacrados pelos próprios fãs.

Com isso, começo minha defesa dizendo que eu não me esforço para ser uma pessoa apegada ao discurso de que no meu tempo era melhor.

Eu só tô aqui para dizer que eu gosto de músicas mais longas e tô feliz que meus artistas favoritos nem precisam lançar mais nada novo ou curto pra eu ter o que ouvir e ser feliz.

Então, tamo aqui para conversar a respeito. Bora?

Imagem de um celular posicionado sobre a superfície na horizontal. Na tela do aparelho, o fundo preto destaca a logo do aplicativo TikTok
Photo by Franck on Unsplash

É difícil fazer alguém gostar de uma música

Quando eu escrevia sobre os 1001 discos para ouvir antes de morrer, lá no finado PontoJão, refletia sobre esse papel de indicar álbuns para as pessoas. Lembro de ter conversado com o próprio Jão a respeito do quão difícil é apresentar uma música a alguém, fazer esse alguém ouvir a música de fato e só então, quem sabe, gostar.

É claro que essa nossa reflexão se baseou no nosso recorte de vida. Jão é um pouco mais novo do que eu, mas temos uma proximidade geracional que afasta ambos da cultura do Tik Tok e desse apelo por músicas mais curtinhas.

Antes que eu perca o foco, o que estou querendo dizer com tudo isso é que eu deve ser bem difícil para os artistas saber que precisam fazer músicas com menos de três minutos para conseguirem viralizar.

Eu sei, versões para o rádio sempre foram mais curtas também ou até reduzidas, mas há algo de diferente acontecendo agora.

É que a audição ansiosa está tomando conta, e não sou eu que estou dizendo isso; são as análises que se baseiam no comportamento dos ouvintes de streaming que, como você deve saber, é aprimorado a cada dia para coletar mais e mais dados sobre os usuários.

Nesse cenário, é ainda mais difícil fazer alguém gostar de uma música. E, arrisco dizer, gostar e não acabar enjoando dela na semana seguinte. Tá vendo só? É isso que me faz pensar “ainda bem que vivi antes dos tempos do Tik Tok”.

O apelo crescente por “músicas objetivas”

O que uma música precisa para fazer sucesso hoje é o que uma música precisou para fazer sucesso em qualquer outro momento da história da humanidade: ser considerada boa. Abstrato, não é?

Aquilo que é considerado bom varia muito ao longo do tempo, com base no contexto, na subjetividade das pessoas e em uma série de outros fatores que não cabe elencar neste post.

Atualmente, algo que ajuda a definir essa qualidade da música é entender que uma música boa é aquela “capaz de atrair milhares de ouvintes que não abandonem a faixa nos primeiros segundos” e que levem o ouvinte a buscar e seguir o artista, além de conhecer seus lançamentos anteriores.

Essa é a análise feita em um artigo publicado no Estadão, que conta ainda que isso só é possível se a música for objetiva. Os dados colhidos pelos streamings indicam que a geração que está crescendo habituada a essa forma de consumo da produção musical não ouve mais do que dois minutos e 30 segundos de uma canção.

Pode ser que alguém, entre as pessoas que leem o blog, olhe para isso e acredite que é tempo mais do que suficiente, mas eu vou discordar mesmo sabendo que existem músicas que eu gosto que são mais curtinhas assim.

“Antes, podíamos contar uma história, criar uma narrativa. Havia uma introdução, uma melodia crescente, um auge. Mas, hoje, as pessoas não têm mais paciência”, disse o DJ Dani Brasil ao Estadão. Ressalto que ele não vê isso como um problema porque o que importa são as plays e consegui-las como for preciso.

No fim das contas, acho que para os artistas o mais importante é isso: conseguir fazer com que sua música seja ouvida até o último segundo. Então, é natural esperar que quem faz parte do cenário pop atual busque atender a essa demanda por mais objetividade.

O fim dos álbuns se aproxima (ou não)

Nos últimos anos, tenho acompanhado sobre o não-tão-recente “boom” dos discos de vinil. Até as fitas k7 ganharam mais força de novo, ainda que a gente não tenha como saber por quanto tempo isso vai durar.

Mídias como o vinil estão para viver seu fim há décadas. Novas tecnologias sempre foram uma ameaça, mas a resistência segue por aí e tenho muita curiosidade em saber até quando vai. Euzinha mesmo quero ter meus discos tão logo possível pra ouvir músicas longas e álbuns inteiros como gosto de fazer.

Acontece que a tal objetividade é parte de uma nova cultura que, poderíamos debater sobre, tem se mostrado um tanto quanto nociva. Tudo é curto e rápido demais, por vezes raso. Até eu, que já passo dos 30 e sempre gostei de profundidade, tenho tido dificuldade para prestar atenção por “muito” tempo em certas coisas.

Não é de hoje que falamos do imediatismo da sociedade contemporânea, não é mesmo? É certo que, em um passado não muito distante, o Twitter aumentou seu limite de caracteres por tweet de 140 para 280 e que o Instagram estuda permitir que um story tenha até 60 segundos e não mais 15 segundos apenas.

Apesar disso, persiste o entendimento de que essa objetividade/rapidez/imediatismo segue consumindo tudo e mudando nossos parâmetros.

Há quem assista séries aumentando a velocidade de reprodução! Em um cenário assim, pode ser que lançar álbuns inteiros deixe de fazer sentido para muitos artistas.

As músicas precisam ser curtas e objetivas. Na melhor das hipóteses, devem viralizar logo e, talvez na mesma velocidade acabem sendo esquecidas e substituídas por outros hits. Entende como a ideia de um long play começa a soar obsoleta?

Felizmente, espero, ainda existem artistas que têm um público que se interessa por algo além da objetividade dos dois minutos e 30 segundo de duração. Assim, é provável que quem viveu antes do Tik Tok e se afeiçoou a artistas desses outros tempos que parecem tão longínquos, ainda tenha músicas mais longas e álbuns sendo lançados no streaming, em formato de CDs, vinis e até fitas k7.

Dizem que, com o tempo, a gente vai fazendo as pazes com a ideia de envelhecer. Não sei se isso é verdade, mas estou cada vez mais em paz por constatar que eu fiquei obsoleta quando o assunto é consumo de música.

Um adendo sobre a ansiedade

Há algo que eu acho particularmente curioso aqui. O Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo. Acho até que já se tornou líder desse ranking para a alegria de zero brasileiros e brasileiras.

Eu sou uma pessoa diagnosticada com ansiedade. Entretanto, não consigo embarcar nessa de audição ansiosa, exceto por alguns áudios de whatsapp que chegam maiores do que as músicas mais longas que ouço.

Acredito que isso acontece porque eu tenho a música como uma das válvulas de escape contra essa ansiedade. Então, acho improvável que, um dia, esse apelo por sons mais objetivos, com introduções curtinhas e sem solos de guitarra ou qualquer outra coisa do tipo faça sentido pra mim.

A música é meu respiro e eu prefiro e preciso que não seja algo tão gm

Entre Lulu e Caetano, estou com Caetano

Você já ouviu a expressão “kill your darlings” ou “mate seus queridinhos” por aí? Longe de ser uma apologia a um homicídio de qualquer natureza, essa expressão é muito apresentada a artistas, acho que sobretudo a escritores.

A objetividade não é de todo ruim se te impede de ser prolixo ou até de revelar coisas demais, sem deixar espaço para que sua obra seja menos literal e mais subjetiva. É aquilo que faz 347348 pessoas diferentes levantarem os braços e gritar “essa é minha música!”.

Para que coisas assim aconteçam e uma canção se torne importante para pessoas de perfis distintos, essa subjetividade para a interpretação individual deve existir. Para tanto, quem escreve precisa deixar uns trechos de fora e sair “matando” suas partes “queridinhas” da letra antes de apresentar a versão final.

Em teoria, a ideia por trás de kill your darlings é essa, e fez bem à Lulu Santos; mas não à Caetano Veloso.

No mesmo artigo do Estadão (que já mencionei e linkei antes e acho que você deveria ler), Lulu conta que lhe pediram para diminuir uma música de quatro minutos e pouco e, ao cortar para três e um pouquinho mais, ele achou o resultado melhor do que o original.

Caetano afirmou que é “de um tempo em que as canções podiam ter três, cinco, sete ou dez minutos, e continuo sendo desse tempo”. E é por isso que, entre Lulu e Caetano, estou com o segundo nessa história toda. A diferença é que Caetano tem toda uma moral para falar essas coisas, além de uma carreira mais do que consolidada, enquanto eu não passo de uma autora de blog (risos).

Cá pra nós, gente. Essa era da Música de TikTok tá me fazendo mais saudosista!

E você, onde se encontra nessa situação? Vale lembrar que “música longa” hoje pode ser qualquer uma com três minutos ou mais, hein!

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