“Matando em nome de…”

Pronto. Chegou o dia em que este blog, movido pela dor, decidiu abrir espaço para um ativismo que pode não agradar a muita gente. Mas é melhor desagradar do que ver gente sendo morta sem dizer nada…

21 de setembro de 2019: ativistas no Twitter, pessoas sensibilizadas e a mídia* divulgam a morte de Ágatha Félix, 8 anos. Na noite anterior, a criança estava com a família em uma kombi, veículo usado para o transporte de moradores, no Complexo do Alemão. Foi quando agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) acharam algo suspeito em uma moto e abriram fogo. Um tiro de FUZIL atingiu Ágatha. Ela chegou a ser socorrida, mas não resistiu.

Killing in The Name, do Rage Against the Machine, é uma das músicas que mais tenho ouvido nos últimos dias. Passou despretensiosamente por mim em uma playlist do Spotify e, desde então, está entre as minhas preferidas do momento. Eu não deixei o link no título da música a toa, eu acho que você precisa ouvir para sentir este post.

Sonoramente, Killing in The Name é, indiscutivelmente, uma música de protesto. Você pode não entender muito do idioma ou não entender ao certo o significado por trás dela — chegaremos lá —, mas provavelmente consegue sentir que há energia e que a música faz quem ouve querer vibrar na mesma frequência. Isso, claro, a menos que a pessoa já saiba o que a letra quer dizer e se oponha a ela.

Quando decidi pesquisar sobre o significado de Killing in The Name que, em tradução direta, quer dizer Matando em nome, encontrei um post ótimo em um site bem bacana chamado Cultura Genial.

Lançada em 1991, Killing in The Name é uma música de protesto “sobre brutalidade policial, abuso de poder e violência racista nos Estados Unidos da América”. Não estamos na Terra do Tio Sam, mas se não lhe falta boa vontade, você acabou de entender porque estou falando sobre esse sucesso do Rage Against the Machine em virtude da morte da menina Ágatha.

A autora do post do Cultura Genial que explica o significado da letra de Killing in The Name é Carolina Marcello, Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes. Em sua análise, ela faz um breve e clara contextualização das políticas de segregação raciais norte-americanas e dos indícios de envolvimento entre membros da polícia e do exército com a abominável Ku Klux Klan.

Lá e cá, já há alguns anos, o comportamento agressivo da polícia, sobretudo contra negros é questionado e denunciado. Em Killing in The NameRage Against the Machine questiona as pessoas do poder — no caso, a polícia —, mas a crítica engloba governantes e a sociedade em geral.

Killing in the name of / Now you do what they told you
Matando em nome de / Agora você faz o que te mandaram fazer

São esses versos os da música que denunciam a normalização da violência. Que denunciam que não se precisa dizer ao certo o porquê, mas a morte de negros e inocentes, como a menina Ágatha, é justificada em nome de alguma coisa.

Ou vai dizer que você nunca ouviu ninguém dizer que uma morte “acidental” como essas é apenas uma infeliz fatalidade decorrente da luta heroica da polícia e do governo contra a bandidagem? Vai dizer que nunca ouviu ninguém lamentar uma morte dessas, mas dizer que infelizmente é um risco que se corre para livrar a sociedade do mal?

Those who died, are justified / For wearing the badge, they’re the chosen whites
Aqueles que morreram estão justificados / Por usarem o distintivo, eles são os brancos escolhidos

Em ocasião do acontecido, Raull Santiago, ativista pelos direitos humanos, (me) fez um alerta importante. Eu, que não moro e não vivo a realidade de uma favela, não tenho a menor noção do que as pessoas que moram ali passam.

Do conforto e da segurança da minha casa, posso me sensibilizar  — e do contrário, não existiria este post no Yellow —, mas não sei mesmo o que se passa. E se de longe me dói a ponto de eu ter levantado quatro vezes para lavar o rosto de lágrimas só enquanto escrevia, sei que minha solidariedade não basta.

Eu (ainda) não sei o que mais eu posso fazer para deixar clara a minha posição de assumir o fracasso que somos enquanto sociedade por achar justificativas (?) para a morte de inocentes. Ágatha Félix, 08 anos e uma vida inteira de sonhos pela frente, não foi a primeira a ser tirada desse mundo cedo demais e de forma violenta demais. E pior, não vai ser a última.

Aqueles que podem falar sobre essa situação MUITO melhor do que eu: o próprio Raul, Renê Silva que é editor-chefe do Vozes das Comunidades, os próprios moradores do Alemão (entrem aí e assistam ao depoimento) sabem bem “as atrocidades que acontecem dentro de uma favela”. E é a eles, principalmente, que devemos ouvir. É ao que eles dizem que eu quero dar espaço, por ser o mínimo que posso fazer.

O depoimento informa que não havia tiroteio no momento do disparo que atingiu e matou Ágatha. Ressalta que o povo do Alemão “não tem fábrica de fuzil dentro da favela” e que não são eles “os coniventes com o tráfico de drogas” e nem os que alugam “caveirões para a guerra de facções”.

Como sugere o Rage Against the Machine, a responsabilidade precisa ser cobrada dos poderosos e governantes e #ACulpaÉdoWitzel não é hashtag recorrente no Twitter sem motivo. E ao restante de nós, cabe a responsabilidade de ao menos questionar e cobrar mudanças.

Foto de Ágatha Félix, 08 anos, morta pela polícia no Complexo do Alemão
Ágatha Félix | foto retirada de @eurenesilva/Twitter

Fazendo das palavras de Raull Santiago as minhas, “desculpa, Ágatha. Por tudo, por tanto, por nada”

A mídia divulga, mas infelizmente, o fato não tem o destaque necessário que deveria ser dado pelos principais veículos de comunicação do país.

7 respostas

      1. It’s not okay. Kid’s are shot up here in road rage incidents, by other kids over bad drug deals, and in gang related violence. I don’t believe out police have shot any young kids, but they have shot a lot of people over the past few years.

  1. A morte sempre carrega uma desculpa. Morreu por causa disso, por causa daquilo, estava no lugar errado, quem mandou morar na favela, é isso que dá apoiar bandido, etc, etc.
    E para falar a verdade, só a morte de uma criança para sensibilizar a ‘mídia’. Do contrário, seria só mais uma morte.
    Aliás, dois policiais foram enterrados hoje e também são vítimas da violência, e essa também é uma notícia que se perde na imensidão informacional em que vivemos.
    Você bem disse que não fazemos a menor ideia do que se passa dentro de uma comunidade. O pior é que o distanciamento dessa realidade faz com que as pessoas ignorem a existência dela.
    Abraço.

    1. Eu arriscaria dizer que só a morte de uma criança para sensibilizar as pessoas em geral. Mídia e sociedade se constroem mutuamente, ecoam uma na outra e acho que, na maioria das vezes, nos mantemos todos muito afastados de realidades que não deveríamos ignorar…

      Minha esperança (porque eu sempre tenho uma) é que o senso crítico que surge em situações como a morte da Ágatha comece a ficar mais aguçado. Assim a gente, sociedade e mídia, passa a dar mais atenção aos absurdos que acontecem!

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