O curioso caso da fã sem memória

“Você é fã dessa banda? Me diz a discografia completa! Ou ao menos me conta quando foi lançado seu álbum favorito! Ou em qual deles está essa música que você está ouvindo agora na playlist!”

Eu, criadora de um blog sobre música, dificilmente saberia responder a essas perguntas, fosse sobre Nirvana ou David Bowie, meus artistas favoritos.

Há tempos, reclamo da minha memória e alerto os outros sobre esse meu problema (um hábito que preciso mudar, inclusive, porque quanto mais reforço essa ideia, mais forte ela se torna). Mas há mais por trás do meu esquecimento.

Internet: a memória externa que salva qualquer fã com problemas de esquecimento

Recentemente, li um artigo intitulado “Por que esquecemos a maioria dos livros que lemos e filmes a que assistimos”, que explica que a forma como consumimos informações atualmente alterou o funcionamento de nossa memória. De forma resumida, a ideia é que não precisamos nos lembrar de algo propriamente se nos lembrarmos de onde achar determinada informação.

“Na era da internet, a memória declarativa —a capacidade de acessar espontaneamente informações que a pessoa guarda na cabeça— se torna muito menos necessária”, Jared Horvath, pesquisador da Universidade de Melbourne

Trazendo para o exemplo de abertura do post, meu cérebro já sabe que não precisa decorar discografias ou outras informações sobre meus artistas favoritos. Posso responder a todas essas perguntas usando a minha memória externa, mais conhecida como internet.

Eu trouxe a discussão pro lado musical porque é principalmente disso o que o a Yellow trata. Mas, como alguém que adora livros, preciso mencionar que o artigo promove uma reflexão muito mais interessante sobre nossa memória atrelada à leitura.

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Photo by Clem Onojeghuo on Unsplash

Como funciona a memória do fã que não quer esquecer seus ídolos

O artigo mostra que existem pessoas que são capazes de reter bem informações, mas que, em geral, a memória de algo se perde consideravelmente nas primeiras 24h depois que recebemos essa informação. Além disso, mostra que consumir um volume mais alto de informação em sequência — assistir a vários episódios de uma série ou ler vários capítulos de um livro no mesmo dia — faz com que a gente se esqueça mais facilmente daquilo o que viu ou leu, além de apreciar menos todo o conteúdo.

É provável que a memória sempre tenha funcionado essa forma, mas produtos da internet como os serviços de streaming e as respostas que facilmente encontramos pelo Google enfraqueceram a ideia de que é preciso gravar algo na memória para não perder essa informação.

No fim das contas, hoje e cada vez mais, a memória está menos associada àquilo o que aprendemos ou retemos — já não é tanto sobre saber em qual álbum aquela música apareceu primeiro — e mais ligada àquilo o que sentimos. Assim, a gente se lembra que uma música é ótima mesmo sem se lembrar de seu nome (ou até de quem a canta!) simplesmente porque tivemos uma boa experiência ao ouvi-la anteriormente.

Quando eu criei o Yellow, temia muito que a minha falta de conhecimento técnico sobre música pudesse afetar a qualidade das ideias que apresento aqui. Por isso, em diversos momentos, tentei deixar claro que eu me baseava nas minhas sensações para avaliar e escrever sobre as bandas, álbuns e artistas. Hoje, sobretudo após refletir sobre o artigo que inspirou este post, me sinto bem mais tranquila quanto ao meu processo!

Como a minha falta de memória já afetou o Yellow

Ainda que exista um lado bom nessa história toda, há também um lado ruim. Para mim aqui no blog, a situação que melhor exemplifica essa situação é a da minha leitura de A garota da bandada Kim Gordon (Sonic Youth).

Enquanto lia a biografia, tive ideias ótimas de tudo aquilo o que gostaria de compartilhar com vocês. Pouco depois, planejei reler antes de fazer minha “resenha” porque só conseguia me lembrar da incrível sensação de embarcar no universo de formação da Kim enquanto pessoa e artista.

O que me confortou foi saber do caso de Pamela Paul, uma das personagens do artigo Por que esquecemos a maioria dos livros que lemos e filmes a que assistimos” e editora da The New York Times Book Review.

“Quase sempre me recordo de onde estava, e do livro em si. Lembro do objeto. Recordo a edição; recordo a capa; usualmente recordo onde comprei o livro, ou de quem o ganhei. O que não recordo —e isso é terrível— é tudo mais”.

Pamela havia terminado de ler uma biografia de Benjamin Franklin e conta ter aprendido bastante. Mas, apenas dois dias depois, já não se considerava capaz de resumir a cronologia da revolução americana, apresentada na obra.

Uma última? Se você já abriu o artigo (que eu linkei da primeira vez que o mencionei no texto), viu que ele foi publicado em agosto de 2018. No mesmo dia em que li, comecei a escrever este post. Adivinhem por qual motivo só estou publicando agora, em novembro? Dica: dessa vez, não foi por falta de tempo!

Um post um tanto quanto diferente para o Yellow, né? Me conta se gostou e se tem algum caso de esquecimento envolvendo um artista / banda que você goste muito!

 

 

0 resposta

  1. Primeiramente, parabéns pelo post. Gostei muito do tema, levou-me a pensar bastante sobre.

    Também sinto que essa aglomeração de informações a qual temos acesso afetou a minha memória. Ainda “sou bom” com datas de lançamentos de discos, faixas, filmes, etc., mas em relação aos livros é que a coisa fica complicada.

    Eu acabo uma leitura excelente, e em dias sinto que esqueci quase tudo. É como se eu tivesse absorvido a obra, sei do que se trata e tudo mais, mas se for expressar tudo isso, não sai nada. Preciso espremer o cérebro até as últimas gotas para conseguir extrair algo.

    E sobre esse trecho: “Quando eu criei o Yellow, temia muito que a minha falta de conhecimento técnico sobre música pudesse afetar a qualidade das ideias que apresento aqui…”, preciso dizer que meu medo era justamente esse. Só comecei a não me importar com isso quando parei de querer me comparar aos blogs mais renomados que, convenhamos, acabaram tornando-se mais do mesmo. Tem vezes que leio um texto com tanto vocabulário técnico que desisto. Gosto de escrever sobre música como ela deve ser: sensação, emoção e diversão, de um modo que todo mundo compreenda. Assim também vejo os seus posts, bem escritos e vocabulário rico, com fácil compreensão.

    Repito, parabéns pelo post. O tema é mesmo muito importante para se refletir.

    1. Obrigada pelo comentário!

      Essa questão dos livros me fez pensar sobre metas de leitura. Eu estabeleci um livro por mês para tentar ser realista e, por vezes, me pego ou correndo com a leitura ou lendo muitas e muitas páginas de uma vez. Depois percebo que realmente é difícil dizer com clareza sobre o que li em cada obra.

      Sobre a nossa parte, da escrita sobre música, eu gradativamente me desapeguei desse medo, mas sempre gosto de ter algum “respaldo” para isso. O artigo ajudou e seu comentário também! Quando leio alguns textos de sites maiores, acabo não entendendo porque parece que falam uma linguagem enigmática, seletiva. Também prefiro me manter ao sentimento, que costuma ser linguagem universal.

      1. Interessante essa sua meta de livros, ainda mais a parte em que você admite acelerar a leitura, pelo que entendi, para ficar dentro da meta. Isso me lembra a questão dos lançamentos atuais.

        Somos bombardeados diariamente com novos lançamentos de diversos artistas, em todo tipo de mídia e/ou canal e se não cuidarmos, acabamos nos perdendo nesse meio. A briga para ver quem posta ou analisa tal disco primeiro é tanta que perde-se o prazer em ouvir a música. Logo, ela torna-se apenas um produto, que passa por nossos ouvidos e logo cai no esquecimento. Esse é o século 21, hahahahaha!

        1. Já faz tempo que desisti de acompanhar lançamentos. Primeiro, perdi os filmes e depois as séries e músicas. Eventualmente, ainda consigo acompanhar uma ou outra a série em meio à hype, mas é quase só isso. A única coisa que ainda me faz manter certo conhecimento do que surge são meus posts sobre os lançamentos musicais favoritos a cada 3 meses…

          É muita coisa pra acompanhar e, como se nada bastasse, eu trabalho com redação web e passo o dia consumindo & produzindo novos conteúdos. Tem dia que nem querendo eu consigo abrir um livro ou dar play em um álbum qualquer.

  2. Adorei o assunto do post!

    Acho que principalmente por me identificar MUITO. Eu sempre fui de esquecer facilmente as coisas, e agora com a facilidade da internet é que não me apego mesmo. Inclusive isso se tornou uma piada interna com meu namorado, pq ele lembra de tudo e eu sempre recorro à ele quando esqueço algumas histórias. Uma coisa bem engraçada que sempre acontece é que começamos a ver um filme e eu fico meio na dúvida se assisti ou não: depois de meia hora de filme eu lembro que já assisti sim! kkkk

    Mas sobre música e shows acho que a memória faz seu trabalho muito direitinho por aqui: mesmo não lembrando nomes, álbuns, datas, eu lembro dos sentimentos, dos momentos marcantes, de quem estava junto. E acho que é isso que mais importa <3

    Beijos!

    1. Essa parte que mais importa a minha memória também lembra!

      Mas, no geral, a situação está complicada… Já aconteceu de eu precisar procurar resenha de livro que li esse ano pra lembrar um pouco mais a respeito!

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