Há cerca de um ano, li A Garota da Banda, a autobiografia de Kim Gordon (ex-Sonic Youth). Desde então, quero falar sobre o livro e a Kim por aqui. Antes tarde do que nunca né!
Eu e Kim Athea Gordon
Eu não sei quando foi a primeira vez que me interessei por Kim. Provavelmente quando soube de certo envolvimento — nada além de uma amizade, senão uma relação até um pouco maternal — entre ela e Kurt Cobain.
Se você me conhece ou conhece o Yellow há mais tempo, já está cansado de saber que metade de tudo o que me chamou a atenção musical e artisticamente tem alguma ligação com o líder do Nirvana. A saber, em 1991, o Sonic Youth convidou o Nirvana para uma turnê.
O fato é que, independente de quando, não demorou para que eu reconhecesse Kim como mais uma bad ass woman do rock que entrou para a lista das musas do meu bloco. Para dizer o mínimo, ela fundou o Sonic Youth junto com o ex-companheiro Thruston Moore e, justamente nesse contexto, se tornou a garota da banda.
Eu e o Sonic Youth
O Sonic Youth ficou na ativa por 30 anos, de 1981 a 2011. Além de Moore (na guitarra e vocal) e Gordon (baixo e vocal), a formação final contava com Lee Ranaldo (guitarra e vocal), Steve Shelley (bateria) e Mark Ibold (que tocava baixo nas turnês).
Nas orelhas do livro, se encontra a definição genérica e, talvez, a mais acertada para o som da banda: “pós-punk”. É que, desde a formação, classificar o Sonic Youth não pareceu ser uma tarefa muito fácil para ninguém.
Não sem motivo, o som também é dito como “noise rock”, que nada mais é do que um rock experimental derivado do punk, do no wave. Considerada uma influência para o movimento alternativo e indie, talvez hoje, não seja tão difícil entender tudo o que a banda trouxe para o universo musical.
Mas, para ser sincera, a Kim me atrai mais do que o próprio Sonic Youth (e é por isso que eu quis ler seu livro). E acho que isso da relação eu x Kim x banda ficou claro para quem leu minha coluna sobre o álbum Daydream Nation, publicada lá no PontoJão tempos atrás.
Enfim, o livro – um memoir, uma autobiografia
A garota da banda é gente como a gente. Kim Gordon não escreve e não fala sobre si como a badass woman que é. E não acho que isso se deva ao fato dela não reconhecer seu papel na história da música (e da arte).
Acho, simplesmente, que é porque ela sabe e sente que é um ser humano como outro qualquer (ou quase isso) e espera que nós, fãs e reles mortais, compremos essa ideia também.
Talvez por isso, a leitura é tão leve e fluida. Talvez, por isso, ela consiga mostrar com tanta facilidade porque a música conecta as pessoas e faz parte da vida de muitos de forma tão íntima e intensa.
O livro, que conta a trajetória de vida de Kim, antes e a partir da música, começa com o relato do último show do Sonic Youth. A apresentação aconteceu em 2011, em São Paulo. À época, ela havia descoberto uma traição do marido e band mate Thurston e estava tudo acabado. Não tinha mais volta, nem para o casal e nem para a banda.
É desde aí que Kim Gordon desconstrói a imagem de uma rainha do rock inalcançável — uma ideia que acho comum a gente ter, sobretudo sobre os grandes da história — e se apresenta como um ser humano que, de diferente, tem o talento & a coragem para investir nele.
O rock, como muitos outros universos, é naturalmente masculino. Na época de Kim, essa verdade era ainda mais marcante. Uma mulher que quisesse ser mais do que um rosto bonito ou um corpo que chamasse a atenção no palco teria que, com todas as suas forças, se empenhar para se mostrar capaz de fazer música.
E foi nesse ambiente, tentando se encontrar como musicista, artista e mulher, que Kim Gordon se construiu como uma das personalidades mais influentes do rock. Enfrentando estereótipos, buscando o seu feminino e sendo parte igualmente forte e importante para o Sonic Youth e para o cenário musical.
O que eu aprendi com a garota da banda
Nos anos 1980, a baixista escreveu um artigo para a Artforum, com a seguinte – e já famosa – frase: “as pessoas pagam para ver os outros acreditarem em si mesmos”, que ela explica com “quanto maior a chance de você cair em público, maior o valor que a cultura coloca nas coisas que você faz”.
Como ela mesma aponto, no palco, Kim já foi vista como fria, distante. Ela diz que se trata de uma persona que, dessa forma, reage aos sentimentos. Desde a infância, pela convivência com o irmão de personalidade oposta, a garota da banda aprendeu a ser mais quieta e reservada. Não demorou tanto, porém, para que entendesse que precisava encontrar um lugar onde se sentisse à vontade para se manifestar e sentir livre e esse lugar era o palco.
Em cima dele, diante para qualquer plateia e aonde quer que fosse, Kim era a pessoa se arriscando — contrariando sua aparente personalidade — e se expondo diante do mundo. No fim das contas, a reflexão que esse fato, que veio à mim de forma intensa através da frase em destaque, me remete a algo que ouvi há tempos: “o que a vida quer da gente é coragem”.
“Para mim, se apresentar tem muito a ver com ser destemida”. Kim fala sobre estar no palco, mas acho mesmo que essa frase serve para a vida.
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Tava esperando esse seu texto desde quando você comentou que estava lendo esse livro e ia escrever sobre um dia. Também não conheço Sonic Youth tão bem, mas quero mudar isso e ler o livro. O cenário em que ele acontece me interessa muito. Realmente, o rock até hoje é visto como um “universo naturalmente masculino”, o que é absurdo por muitos motivos, mas principalmente porque, mais ainda nessa época, as bandas mais inovadoras eram compostas ou lideradas por mulheres (Lydia Lunch, Patti Smith, The Slits, The Raincoats, Au Pairs, entre outras). Tem um artigo muito bom do Lester Bangs sobre isso, em que ele, como sempre, discorre sobre como o rock estaria morto na década de 80 não fossem as mulheres pra salvar o cenário. Vou procurar e te passo depois.
Não relacionado a nada disso, mas, como você falou da sua lista de musas, lembrei que adicionei uma à minha lista há duas ou três semanas. Não é música, ela foi uma artista plástica, mas esteve relacionada ao punk argentino da década de 80 (ouvi algumas músicas, mas ainda não consegui achar as bandas). Liliana Maresca. Fui numa exposição das obras dela e foi talvez um dos melhores momentos da minha viagem esse ano. Sugiro dar uma olhada. Uma pessoa fascinante. Quero pesquisar mais sobre a obra e a vida dela, quem sabe escrever um pouco sobre, apesar de eu não saber o suficiente sobre artes plásticas.
Sempre bom ver uma postagem nova sua.
“Girls invented punk rock not England”. Tem uma foto da Kim usando uma camiseta com esses dizeres.
Eu queria escrever muito mais sobre esse livro. Minha ideia era, inclusive, reler antes de escrever e trazer algo mais substancioso. Mas já é bom o suficiente que esteja (finalmente) aqui.
Espero que você leia. Nem sequer precisa mudar sua relação com o Sonic Youth. Vale a pena independente disso.
E vou procurar sobre a Liliana!
Esqueci de incluir Blondie na minha lista acima, que errado. Que a deusa Debbie Harry perdoe o deslize.
Na verdade eu quero mudar minha relação com Sonic Youth. Gostei do que ouvi, só raramente tenho vontade de ouvir. Sim, pretendo ler o livro de qualquer forma, só falta surgir um espaço no orçamento pra comprar.
Blondie! Um amigo me recomendou o livro sobre a banda. Me interessaria mais se fosse sobre a Debbie apenas, mas é provável que eu leia assim mesmo.
Ah que legal esse livro! Fiquei curiosa para ler, já conheço a banda e a Kim é uma grande mulher que fez a diferença na história do rock.
É muito legal mesmo, Anne! Super recomendo porque, além de tudo, é fácil de ler 🙂
Lari tem tempos me que eu queria te falar isso mas nunca me lembro hahahahaha. Ali no Padre Eustáquio tem uma parede com um grafite ENORME do Kurt. Sempre que passo me lembro de você. Nunca consegui fotografar, mas se conseguir te mostro. Lembrei disso justamente por conta desta foto que você colocou no post.