Fora da caixa: Kill your darlings / Versos de um Crime

Fora da caixa surge para trazer tudo aquilo que não está assim tão ligado ao universo musical, mas que, por alguma razão, tem espaço no Yellow

Há algumas coisas na história dos humanos que me atraem muito. Uma delas é o movimento beat, apresentado no Yellow em função do prêmio Nobel de Bob Dylan.

Eu sei bem menos sobre os beats do que eu gostaria. Uma das coisas que me parecem certas, porém, é o fato de que nada que envolve o movimento e suas personagens é acessível a qualquer um. Isso no sentido de dizer que, apesar do sucesso nos Estados Unidos e fora dele, a literatura e a arte beat não atraem “todo mundo”.

É por isso que eu sempre questiono se vale a pena escrever sobre aqui (e sempre vale). Dessa vez, o post escorreu pelos meus dedos assim que eu acabei de assistir a Kill your darlings (2013) ou Versos de Crime, como foi apresentado em português, tirando da obra um terço de sua elegância.

daniel

Sinopse & comentários

1944. Allen Ginsberg (Daniel Radcliffe) sai da casa dos pais rumo à universidade, precisando lidar com o sentimento de culpa por ter deixado sua mãe (Jennifer Jason Leigh). Seu sonho é tornar-se um escritor, mas logo sente-se incomodado pelo modelo “certinho” de poesia que o curso ensina. Não demora muito para que ele conheça Lucien Carr (Dane DeHaan), um jovem provocador que apresenta Allen ao mundo da contracultura. Logo nasce uma grande amizade entre os dois, que se torna algo mais quando Allen passa a sentir atração por Lucien – adorocinema.

O filme chama a atenção, dentre outros motivos, porque tem Daniel Radcliffe no elenco. À época do laçamento, várias matérias sobre o “Harry Potter em cena de sexo gay” ganharam a web e, infelizmente, essas chamadas de mau gosto esconderam muito da atuação de Radcliffe.

Apesar de ter assistido a outro filme que retrata a vida dos beats antes, foi com Kill your darlings e com Radcliffe como Ginsberg que eu finalmente consegui visualizá-los para além dos próprios livros e obras.

Os beats eram quebradores de regras e queriam mudar a visão da sociedade. É sempre mais fácil imaginar algo assim à distância. Com o filme, porém, fica mais fácil se aproximar desse universo e a interpretação de Radcliffe traz uma sensação de estranheza, incômodo e interesse que são muito necessárias.

De fato, porém, é DeHaan que rouba a cena. Lucien Carr foi maravilhosamente interpretado por ele e não digo isso por saber de qualquer semelhança com a realidade. Digo em função de sua capacidade de nos magnetizar, audiência, da mesma forma que fez com Ginsberg.

Como consequência, a química entre ele e Radcliffe é perfeita e, ainda que a personagem de DeHaan nos dê motivos para não querê-lo por perto, é possível entender porque parece impossível se afastar. É intenso e, ao mesmo tempo, sutil.

dane

É preciso mencionar que o filme tem, ainda, David Kammerer interpretado pelo fantástico Michael C. Hall. Um sujeito tão talentoso que me ganhou como um serial killer carismático (em Dexter) e conseguiu se distanciar completamente disso em Kill your darlings.

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Pelas imagens aqui, acho possível que vocês percebam que o filme é num tom meio sépia. Um recurso interessante para dar o tom da época, contribuindo de forma sutil para a beleza do filme.

A direção é de John Krokidas, que fazia sua estréia. Há quem diga que, em função disso, o filme não tenha se destacado tanto quanto poderia. Eu penso diferente.

Para mim, Kill your darlings tem a mesma narrativa desconexa do que as obras beat que eu conheço até o momento. Tem, também, a mesma profundidade (ou ausência dela) que o livro de Kerouac e Burroughs sobre o assassinato.

Assim sendo, o filme tem potencial para se tornar mais atraente para quem se interessa pelo universo beat, suas características e sua história.

Sobre Versos de um Crime

Toda a relação entre Kammerer e Carr e entre Ginsberg e Carr, sobretudo a partir do desfecho da obra, faz com que Kill your darlings seja uma escolha perfeita.

A “tradução” para Versos de um crime não é ruim. Afinal, todos ali seriam ou desejavam ser escritores. O protagonista Ginsberg se tornou um dos mais bem sucedidos poetas americanos e, então, versos cai bem.

Obviamente, eu não tenho sugestão de nome melhor para o português. Mate seus queridos não soaria nada legal! É só que, como de costume, a “tradução” faz perder um pouco da essência e também daquilo que se esconde por trás das palavras.

Mais beat, por favor

Assisti ao filme um bom tempo depois de ler E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques, a obra de Kerouac e Burroughs, e depois de ter lido On the road, livro que Kerouac escreveu contando as aventuras que viveu após o caso.

Decidi escrever um pouco sobre e recomendar Kill your darlings sobretudo para quem já tem algum nível de interesse pelo movimento porque, o filme termina  informando o que se sucedeu na vida de cada um e eu só pude pensar: quero mais!

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Foi graças a esse filme que eu entendi um pouco mais sobre Lucien Carr, que levou uma vida bem normal após sair da prisão e até a sua morte, em 2005.

Ainda que os amigos tenham acusado Carr de não ser capaz de colocar no papel as próprias ideias revolucionárias, Ginsberg dedicou a ele alguns de seus primeiros livros. E isso faz sentido, afinal, o sujeito uniu os beats. Em resposta, porém, ele pediu para não ser mais citado nas obras e para que o livro que conta a sua história não fosse publicado enquanto ele estivesse vivo.

A música em Kill your darlings

A trilha sonora completa está disponível. O nascimento da geração beat aconteceu em meio ao jazz e, por isso, resolvi destacar Harlem on Parade aqui. O plano era trazer a música junto a alguma cena do filme, mas os vídeos disponíveis entregam mais do que eu gostaria de compartilhar.

Apesar de eu já ter me aventurado escrevendo sobre jazz, se considero que sei pouco sobre os beats, sei menos ainda sobre o gênero musical. Se algum dia isso mudar, porém, terá sido por influência das histórias de Ginsberg e companhia.

Com essa deixa, lanço as perguntas: vocês curtem jazz? curtem o Radcliffe? conhecem os beats? assistiram ao filme? Contem-me tudo 🙂

0 resposta

  1. Não tem jeito, Lari, você escreve um texto que tenha a palavra beat e eu apareço.
    Negligenciei esse filme tanto quanto On the Road, mas seu texto me deu vontade de dar uma chance pra Kill Your Darlings – até porque é sobre uma parte pouco documentada da história dos autores. Eu tenho mania de implicar com detalhes e não acho o Radcliffe um grande ator (nunca vi um filme bom com ele), mas acho que tenho que dar uma chance.
    Não sabia que o Carr tinha pedido pra não ser citado nos livros até depois de morrer. Isso explica porque até nos documentários em que ele aparece (Burroughs) ele quase não fala nada, e os outros autores também parecem esquivar dessa parte da história ou só não falam sobre ele. De início, achei que o filme exagerava na relação do Carr com o Ginsberg, porque nunca ouvi o Ginsberg falando com qualquer intensidade sobre o Carr, fora do fato de ele ter sido a “cola” na geração beat – o cara que juntou todo mundo – e um ter inspirado muito o outro. Mas parece até que o filme levou em conta a versão do Ginsberg da história. Inclusive, a produção foi criticada pelo filho do Carr por esse motivo. Então, acho que vale a pena, fiquei curioso.
    Vou ouvir a trilha depois. Conheço o Nico Muhly, mas não sabia que ele compunha jazz (que, respondendo sua pergunta, curto bastante, mas também não sei escrever sobre). Tudo que ouvi dele era “música erudita contemporânea”, com muito de eletrônico e atmosférico. Um estilo que tem me interessado esses dias, mas que não conheço bem.

    1. Fico feliz que você tenha aparecido, Rapha. Ao longo de um curto período de tempo (rs), eu desenvolvi pelos beats uma atração similar a que eu tenho pelo punk, sua história e afins.

      Sobre o Carr, acho que é justamente por ter pedido para não aparecer que E os hipopótamos foram cozidos em seus tanques só foi publicado 60 anos depois de escrito (acho que é isso mesmo).

      Sobre a relação com o Ginsberg, acredito que tenha esse “problema” com o filho tenha relação com o fato de que Carr queria ser enquadrado num crime que era assassinato de um homossexual, em legítima defesa. Só que, se o assassino tb fosse homossexual, não tinha abrandamento da pena. E, no fim das contas, foi isso o que aconteceu e o Carr pegou pena máxima.

      Sobre o Radcliffe, eu achei a atuação dele incômoda (nem sei se isso é forma de definir atuação). Mas, se não foi proposital, ao menos encaixou bem com a sensação que o filme passa. Quem mais me surpreendeu mesmo foi o DeHaan. Carr nunca foi tão bonito quanto ele, mas se havia mesmo um magnetismo, ele foi muito bem retratado.

      Por fim, sobre Nico Muhly, os jazz não são dele. Acho que isso não ficou claro, né. Desculpe. É que ele compôs o restante da trilha, ao menos o que aparece na playlist oficial, e as outras músicas aparecem como complemento.

      Se assistir, me diz o que achou 🙂

    2. Ah, esqueci de comentar! Andei pesquisando e achei um livro com um preço ótimo pra kindle que conta a história do Carr: The Beat Killer. Vi uma crítica negativa a respeito, mas acho que vale a pena. É curto e barato.

      E há algum diário de Allen em que ele conta mais sobre a intimidade com o Carr. Ainda não achei isso, mas li a respeito e obviamente fiquei interessada.

      1. O punk está de certa forma ligado aos beats. Viu que saiu edição “nova” (isso foi ano passado, acho, ou no começo desse ano) em português de Almoço Nu, do Burroughs. De Queer também. Indico você ir atrás de alguma coisa desse autor. Ele é o mais punk dos beats.
        Na verdade, só achei que o jazz fosse do Muhly por causa da imagem no vídeo, culpa minha ter comentado antes de ouvir. Pretendo ouvir hoje a trilha, tanto o jazz quanto as composições do Muhly.
        Só pra avisar, desconfio dessas publicações do Kindle. Muita gente só bota informações do google em um texto e publica pra ganhar um dinheiro extra. Não sei se é o caso, mas tive a impressão quando pesquisei na Amazon. Tem gente até que redigita livros em domínio público pra enganar desavisados, acredita?
        Se for o caso, é uma pena, porque seria muito interessante um livro sobre esses acontecimentos. Dizem que “The Vanity of Duluoz”, do Kerouac, é sobre esse momento também, mas é no estilo frenético do Kerouac e foi um dos últimos dele, ou seja, ele já estava naquela fase em que ele renegou o movimento beat e se entregou ao alcoolismo e o isolamento.
        Assim que eu ver o filme, te falo.

        1. Eu tenho que ler Burroughs! Só li E os hipopótamos até agora e nem é dele sozinho.

          E acho que sou muito inocente, haha. Nunca ia pensar que fizessem esse tipo de coisa pra ganhar dinheiro e enganar as pessoas. Muito inocente!

  2. Nossa, eu fui conhecer os beats atraves de vc. Ando tão por fora do universo do cinema que nunca tinha ouvido falar nesse filme, sabia que o Daniel tinha feito um filme novo (na época) mas nada além. Eu gosto dele sim, mas não posso dizer muito pois só conheci no HP. Particularmente nao gostei daquela definição, apesar de um ator poder ficar reconhecido sempre por um de seus papeis, nao acho legal falar de um ator como se fosse o personagem.
    Enfim, achei a sinopse fantástica, eles sao escritores, né. E essa coisa de sair da arte bonitinha me chama a atenção. Não curto muito filmes em tom de sépia, acho que cansa um pouco a vista, mas posso arriscar pq me interessei com a história. Fiquei curiosa com o crime rs. Sim, adoro jazz, já até mecionei isso em outro post seu, pena que não é algo que a gente ouça com frequencia. Estou comentando ouvindo a música 🙂
    Bjos floooor

    1. Ei, Pri 🙂 Uma das melhores coisas da vida desse blog é quando alguém me diz que tomou conhecimento de algo por aqui. Acho fantástico!

      Sobre o Daniel, além de Harry Potter, eu assisti a esse e a um outro filme chamado Swiss Army Man. Uma obra apresentada como drama/fantasia, mas que me pareceu mais uma comédia um tanto quanto tosca. É um dos melhores filmes estranhos que já vi, se é que posso classificar algo assim. É estranho, rs. Mas, de fato, gostei de todo o desconforto que ele me causou em Kill your darlings e, sobretudo, de não ter me feito pensar em HP.

      Eu não me incomodo com o tom de sépia. Pelo menos, não me recordo de nenhum filme em que isso tenha acontecido, mas pode ser, também, que não seja nada tão marcante aqui.

      Sobre o crime, eu tenho interesse nele desde que conheci os beats e ainda pretendo aprender mais sobre. Não sei como seria a visão da história como um todo (acontecimento e filme) para quem assistir sem nenhuma outra referência. Por isso, caso chegue a ver, tente lembrar de vir me contar sobre!

      Beijooo

      1. Acho que é mesmo uma das melhores coisas no Blog <3
        Vc me deixou curiosa, eu preciso voltar a ver filmes, acompanhar as novidades, e, principalmente, a ter paciência de sentar e ver até o final. Nem as comédias que eu gosto tenho visto.
        Bjos miga

    1. É… Eu não sei como você chegou ao filme, mas acredito que muitas das chamadas/matérias feitas para promovê-lo geraram a ilusão de que teriam mais cenas de romance, destacando a personagem do Daniel nesse processo.

      Acho que esse nunca foi o propósito da obra, porém. Não sem motivo, tendo a crer que só vão gostar as pessoas que se interessam pela cultura beat, pelos autores ou pelo crime em si…

    1. Que bom te ver de volta aqui, Vera 🙂
      Acho que, mais do que o jazz, ter algum interesse pela cultura beat ou, ao menos, pelos atores, é importante pra conseguir apreciar o filme. Eu gosto mt dos beats, mas sempre acho que não é algo que agrada geral, rs

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