Literatura: Só garotos (Patti Smith)

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Só Garotos é o resultado de um resgate feito por Patti Smith de seu passado ao lado de Robert Mapplethorpe. O livro foi lançado em 2010 e, portanto, não é novidade no mercado. Por que, então, falar dele no Yellow agora?

Patti, a poetisa do punk

Meu primeiro contato com Só Garotos aconteceu anos atrás, durante a graduação de Jornalismo. À época, eu achava que não iria me interessar e, no fim das contas, terminei a leitura mais ligada à Mapplethorpe do que à poetisa do punk.

Desde já, fica a dica para que os leitores fãs de fotografia tirem um tempinho para pesquisar a obra de Robert. Ele foi um artista fantástico!

Acontece, porém, que daquela época pra cá, minha afinidade com Patti Smith só cresceu. E, desde que escrevi sobre ela na época do Nobel de Bob Dylan, penso em como gostaria de reler esse livro e falar dele por aqui. Eis a razão!

ps: para quem não se lembra, Patti foi escolhida para representar Dylan na cerimônia da inusitada premiação ao músico, no Nobel do ano passado.

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Autobiografia diferenciada

Antes de se tornar uma famosa líder feminista, expressando e influenciando artistas e uma geração através de sua música punk rock, Patti Smith enfrentou todas as incertezas e adversidades que a vida impunha aos jovens que se aventuravam a ser artistas e viver de sua arte, nas décadas de 60 e 70 nos Estados Unidos. Em uma autobiografia diferenciada, ela relata o romance vivido com Robert Mapplethorpe, com quem partilhou as dificuldades e descobertas enquanto pessoa e artista. Unidos, encontraram apoio mutuo ao amor pela arte, conviveram com grandes ícones como Janis Joplin e Jimi Hendrix e conseguiram após muito esforço, se tornar parte desse grupo de artistas.

Só garotos foi lançado como uma promessa de Patti a Robert, antes de sua morte em 1989, em decorrência da AIDS. O livro é, sobretudo, um resgate da historia dos dois artistas que eram cúmplices em suas artes, gostavam de estar juntos, de produzir juntos. Desenvolveram um sentimento só deles, que permaneceu único mesmo quando Robert se descobriu homossexual, mesmo quando se separaram anos depois.

Amor, vida & arte

A proximidade entre os dois, como relata em seu discurso saudosista dos tempos joviais que compartilharam juntos, pode ser decifrada pela facilidade com que Patti descreve os sentimentos e angústias de Robert, bem como seu contentamento com o sucesso que ele viria a ter. Robert aparece quase como uma personagem de Patti que, como relata, consegue sentir sua presença até hoje.

“Ninguém vê as coisas como nós, Patti”, dizia Mapplethorpe. Com ele, Patti realizou o sonho de ser a musa de alguém e ele também a marcou de forma a influenciar toda a arte que ela produz. Apesar de todo o seu amor transformado em palavras para esse livro, Patti não escreveu um romance. Narrou a trajetória de dois jovens que foram cúmplices do amor pela arte, pela vida e pela companhia um do outro.

Das ruas ao famoso Hotel Chelsea, Patti poetiza suas lembranças através de uma narrativa rebuscada de detalhes, cuja função principal é tentar traduzir as singularidades artísticas dela e, principalmente, de Mapplethorpe. O saudosismo expresso nas palavras narram a trajetória de ambos os artistas que um dia foram “só garotos” e que depois, separando os caminhos, mas sem jamais se esquecerem, se tornaram membros de um clã de ícones de uma geração.

Patti se encontrou na música, se casou e teve filhos com um músico com quem compunha e gravava as suas músicas. Robert viveu suas loucuras masoquistas homossexuais até se descobrir como fotógrafo. Foi ainda quando estavam juntos, descobrindo o mundo artístico que se abrigava no Chelsea, se relacionando e se tornando personagens desse meio, que ambos descobriram suas reais vocações artísticas.

“Só garotos”

Em grande parte do livro, Patti coloca a si mesmo e a Mapplethorpe como se fossem mesmo “só garotos”. Os anos iniciais de descoberta e construção de si próprios como artistas, enquanto viveram juntos, são espelho dessa época. As imagens que complementam a narrativa compõe o retrato que a artista faz sobre todos os momentos vividos, desde os tortuosos momentos de pobreza extrema, doenças até o status da fama.

Ao tentar captar a alma artística de seu companheiro e a sua própria para transcrever a trajetória da arte vivida, Patti cita vários acontecimentos da época, faz referências a outros artistas que lhes serviram de inspiração e também os que lhes foram contemporâneos. Mesmo sem esclarecer para o leitor leigo quem foram as personalidades que permearam os seus dias, Patti apresenta a si e a Robert como apaixonados pela arte e pelo que faziam e não apenas como jovens que se lançaram ao mundo artístico apenas em busca de atenção.

A poesia da punk

A linguagem poética e estilizada que Patti utiliza e a forma como aproxima o leitor de sua própria realidade superam os desfalques de resgate histórico que contextualizariam melhor o leitor que não pertence ao mundo das artes e dos ícones de décadas passadas. A curiosidade de saber se e como Patti e Robert alcançaram seu espaço no meio artístico e o que se sucedeu entre eles é suficiente para prender a atenção do leitor que até o desfecho emocional do “milagre da morte” de Mapplethorpe.

Sobre a resenha:

Escrevi essa resenha logo depois de ler o livro pela primeira vez. Sem dúvida, não tem a cara das resenhas literárias que encontro nos blogs amigos por ai (que são muito boas, por sinal). Àquela época, o jornalismo e a escrita eram outros. Eu gosto tanto, porém, da forma como enxerguei Só Garotos que não quis mudar… Espero que tenha sido o bastante para despertar a curiosidade de quem nunca leu 🙂

0 resposta

  1. Muito bom seu texto, Lari. Você transmitiu bem o que é o livro. É mais que uma biografia, seja da Patti ou do Robert, é um retrato da época em que os dois viveram juntos, do desenvolvimento artístico deles, da luta pela sobrevivência no começo, da autodescoberta. Gostei demais de ter lido esse livro, principalmente pelo cenário. A Nova York da década de 70, com o fim da literatura beat e o começo do punk rock, me interessa muito, então foi um prato cheio ler sobre o que se passava dentro da Factory, sobre a influência do Velvet Underground… Agora quero ler o outro dela e, quem sabe, encontrar por aí alguma coletânea de poesias (acho que ainda são impressos). Já leu o Linha M?

    1. Sim! O cenário prende demais a gente na leitura, né?! Só Garotos é um livro que eu recomendo pra qualquer um que tenha interesse na cena artística/musical. Mesmo que não conheça ou não goste da Patti, menos ainda do Robert.
      Ainda não li Linha M. Quase o comprei em algumas ocasiões este ano, mas ainda estou enrolando, apesar do interesse..

    1. Tava falando isso com outro leitor, Henri: eu recomendo esse livro até pra quem não conhece muito da Patti (ou do Robert, que costuma ser ainda mais ‘desconhecido’). Isso, claro, se a pessoa tiver interesse em conhecer mais a cena artística da época. Acho bem legal!

      1. bacana, vi que tem o ebook no lelivros, então acredito que cedo ou tarde vou ler sim (o duro é saber quando, já que lá também tem as biografias de Keith Richards, Neil Young e tantos outros livros)!

        1. Eu estou agarradíssima com a do Keith. Um contato aqui do blog adorou a leitura e já, inclusive, releu. Eu, particularmente, estou tendo dificuldade porque acho que não flui bem. Num geral, porém, o conteúdo é interessante!

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