Na batida dos Beats: o Nobel de Dylan

Atualizado em 28/10 – 22:48*

Mais do que um jogo de palavrasna batida dos Beats é minha tentativa de casar música e literatura aqui no Yellow e instigar vocês a conhecer alguns dos autores que inspiraram Bob Dylan, o inusitado vencedor do prêmio Nobel de Literatura.

Inusitado por que?

Como disse aqui anteriormente, Dylan é o primeiro músico a receber o prêmio de Literatura. E, apesar de já ter publicado livros, a nomeação veio por ter “criado uma nova expressão poética na tradicional canção americana”.

nobel-dylan

Há quem tenha achado justo e quem não. Eu demorei um pouco para concluir o que penso a respeito, mas, no fim das contas, estou no grupo dos que prefeririam que outro nome tivesse recebido a honraria.

Bom para a música. E para a literatura?

Em um primeiro momento, cheguei até a pensar que isso seria positivo no sentido de levar pessoas a escutar as músicas do cara. Caso isso aconteça, realmente é um ganho. Para a música.

Há chances de que ambos os movimentos musical e literário se beneficiem disso? Claro. Há informações de que edições da biografia de Dylan estejam esgotadas no Brasil e de que editoras já planejam novas edições para os já mencionados livros escritos pelo músico e outro que apresenta todas as suas letras.

Parece promissor, certo? Mas não quero que pare por ai. Assim como sempre recomendo que vocês, queridos leitores, busquem as influências musicais dos artistas que gostam de ouvir, fiz este post com o objetivo de apresentar influências literárias de Bob Dylan.

A geração Beat e a poesia de Dylan

Obviamente, estou fazendo um recorte. Entre os vários nomes na estante de Dylan aqui há uma lista de sete autores relevantes meu destaque vai para três dos mais importantes autores, símbolos da geração Beat: Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs.

Os beats foram uma geração de artistas americanos (final dos anos 1950, início dos anos 1960), sobretudo escritores e poetas que inspiraram um fenômeno cultural e inovaram a escrita. Estão entre as influências de várias gerações, incluindo para/dentro dos movimentos hippie, punk e o folk  de Bob Dylan.

kerouac-books

Comecemos por Burroughs (1914 – 1997), o pai da turma e, possivelmente, o nome mais conhecido musicalmente em função de entusiastas como Kim Gordon, Kurt Cobain, Patti Smith… e das diversas participações e parcerias feitas: álbuns, músicas recitadas, aparição em clipe, etc. Há uma série de provas de sua influência na cultura pop não só em meio musical e o que deu início à tudo isso foram suas obras que lhe apresentaram para o mundo. As mais famosas são Naked Lunch (Almoço Nu) e Junkie.

Dylan e Burroughs se conheceram pessoalmente e a escrita do beat teve influência na linguagem do músico, que foi estava se tornando mais aberta, menos linear, mas vanguardista.

Passemos para Kerouac (1922 – 1969), símbolo máximo da geração e uma boa porta de entrada. Ao menos, foi (tem sido) para mim. On the Road é sua obra mais famosa e responsável por ter feito Dylan fugir de casa. Há uma adaptação para a obra na Netflix. Procurem por Na Estrada.

Também apontado como “o rei dos beats” algo que lhe causou raiva e tormenta pelo resto da vida , Kerouac foi responsável pela criação de uma escrita singular, influenciada pelas sensações transmitidas pelo jazz, pelo bop. Um estilo que guiaria uma transformação no estilo do próprio Dylan.

Juntos, esses dois beats escreveram um dos títulos favoritos da minha estante: E os Hipopótamos foram cozidos em seus tanques. Uma leitura leve, fácil e rápida. Quando se trata de Dylan, porém, o foco é outro…

Precisamos falar sobre Ginsberg

A maior inspiração beat de Dylan. Foi após ter contato com o trabalho de Allen Ginsberg (1926 – 1997), já após o high school e com seus 18 anos, que Bob Dylan começou a escrever poesia.

Posteriormente, já no início dos anos 60, os dois se conheceram e desenvolveram uma relação de amizade, admiração e influência mutua. Há uma infinidade de textos no maravilhoso mundo da internet que vão desde ilustrar essa parceria à indicar que o relacionamento entre eles era visto como de pai e filho ou de irmãos. Ginsberg era, claramente, o mais velho tanto em idade quanto por sua posição de mentor.

Ginsberg identificava traços de sua poesia no trabalho de Dylan; o mesmo espírito. E dizia que o amigo tinha o dom de devolver a poesia aos homens através de sua música. Algo que concorda com a justificativa para o Nobel.

dylan-ginsberg

A parceria rendeu vários frutos. Por exemplo, a participação de Ginsberg em Renaldo & Clara, um drama musical escrito e dirigido por Dylan. E o álbum de canções feitas em colaboração pela dupla. Lançado originalmente em 1983, First Blues tem Ginsberg nos vocais e Dylan no violão, gaita e backing vocal.

Antes disso, o sonhador Ginsberg já havia ganhado notoriedade com Howl ou ‘Uivo’, seu poema mais famoso. Cercado de polêmicas por seu teor obsceno, foi responsável por alavancar Allen para além dos pequenos círculos literários em que era conhecido. O poema foi lançado apenas cinco anos antes do primeiro álbum de Dylan. (Há, também disponível na Netflix, um filme autobiográfico de mesmo nome).

De streaming para streaming, é preciso mencionar que há áudios desses três beats na internet, inclusive no Spotify. E foi assim que Ginsberg se tornou bastante acessível para mim. Recomendo que escolham o áudio e acompanhem com o texto.  Por onde começar? Vou sugerir America: o primeiro que ouvi/li dessa forma.

Ainda há muito a ser dito sobre a geração beat, suas influências e obras. Por outro lado, o que não foi dito (ainda) é a resposta de Dylan ao prêmio que desencadeou todo esse post…

O silêncio* de Bob Dylan, o “mais notável” beat 

I came out of the wilderness and just naturally fell in with the beat scene
– Dylan, sobre ter naturalmente se encontrado na cena beat

Desde que recebeu o Nobel de Literatura, Dylan não se pronunciou. Esse silêncio tem várias interpretações, da arrogância ao protesto. Talvez ele não queria o prêmio e poderíamos especular outros motivos aqui…

Se hoje a Academia reconhece Dylan, ontem ela não se esforçou para se aproximar dos beats. Houve uma resistência grande para reconhecer esse movimento cultural/social e sua força. As temáticas polêmicas do grupo e sua postura, consideradas tão “anti-academia” podem ser apontadas como razões. E não é que tenha melhorado muito desde então… Fato é que, bem ou mal, um beat (ou quase) recebeu a honraria máxima da Literatura mundial.

Aos 75 anos, Bob Dylan já recebeu também Grammys, Oscar,Globo de Ouro e uma citação especial do Pulitzer. Necessário ou não, justo ou não, espero que o Nobel abra novas portas para a sua música e obras e, sobretudo, para as obras daqueles que o inspiraram.

*Dylan finalmente falou sobre, aceitando o prêmio.

★★★

Há estudos e dissertações sobre a influência dos beats e Bob Dylan, sobre a escrita criada por Kerouac, sobre a forma negativa como o grupo foi retratado, sobre o movimento em si e várias outras ligações que se deram a partir deles. O post fica por aqui… Espero que tenha sido o suficiente para vocês se interessarem por Kerouac, Burroughs e Ginsberg. Nos vemos nos comentários 😉

Muuuito obrigada Raphael, por fomentar minha curiosidade pelos Beats e dividir do seu valioso tempo para conversar sobre eles comigo! Obrigada também à Bianca, por ter inspirado reflexões que originaram esse post.

12 respostas

    1. Eu acho que Dylan não é pra todos. Obviamente por nada ser unanimidade, mas porque é um som que, ao menos pra mim, exige muito o feeling certo, na hora certa. Os Beats vão por ai… Sempre vale conhecer. Se gostar, melhor ainda ^^

  1. Mano, você é foda. Casa comigo. ❤️
    Já anotei aqui América pra ler/ouvir, e o dos hipopótamos. Você é só cultura, mulher!
    Eu lendo seu final aí lembrei o desdém que tenho pelas “academias”. Os Oscars dos anos passado e retrasado foram uma piada. O Nobel de literatura esse ano também cagou. Essas coisas reforçam ainda mais a minha opinião de que prêmio não diz absolutamente nada sobre qualidade ou merecimento. O negócio é aquele velho ditado mesmo, gosto é igual cu, cada um tem o seu. Hahahahaha
    Vou compartilhar seu post no face!

    1. A sensação que eu tenho é que América só pode ser lido se ouvido, rs. Espero que goste ao menos da ideia de acompanhar os poemas dessa forma!
      Sobre Os Hipopótamos, se chegar a ler, me contaaaa… É uma coisa estranha muito interessante!
      E obrigada, de novo!

    1. Vou ter uma ideia melhor de On The Road em breve. Infelizmente, não estou conseguindo manter o ritmo de leitura que gostaria. Já era para ter acabado! De qualquer forma, acho que é um dos títulos que merecem ser lidos em algum momento. Mantenha-o na sua lista. E pode ser que eu fale sobre ele aqui depois também…

  2. Que maravilha de artigo. Espero mesmo que mais pessoas corram atrás desses autores. E que isso faz com que eles procurem os outros mais desconhecidos. Estou fazendo isso agora. Comprei um livro da Anne Waldman e do Ted Berrigan, que ficaram meio por fora da geração beat ou não alcançaram a mesma fama, mas são grandes poetas. Te falo mais sobre quando eles chegarem. Serão novidade pra mim também.
    Não conhecia esse disco, como te falei, ouvi algumas músicas. Só acho difícil de acreditar que Bob Dylan participou da composição de todas as músicas. “You are my dildo” parece louca demais até pra ele.

    1. Você está algumas passos à minha frente e eu gosto disso! Vou querer saber do livro mesmo. Não esquece 🙂 Quanto ao disco, a bem da verdade é que não me prendeu tanto. Pode ser que eu deva escutá-lo num outro momento para ter uma ideia melhor…

  3. Engraçado Lari, às vezes eu venho visitar o seu blog e me sinto meio perdida, sem ter ideia sobre o que você está falando (estilo de música, ou cantor, ou datas…). Sempre aprendo muito por aqui (e já falei isso, inúmeras vezes). Gosto muito das músicas do Bob Dylan e engraçado que eu comecei a ouví-lo por causa da Jessica Lange, que é tão fã dele que só aceitou fazer o filme Masked and Anonumous porque foi informada de que o cantor participaria também. 🙂

    1. Nossos blogs nos prestam “serviços” semelhantes, Tha. Eu gosto muito disso!
      Por mais que eu tenha o desejo constante de saber de tudo que chama a minha atenção, a sensação de estar perdida frente a algo é sempre um lembrete de que nunca faltarão coisas a conhecer, aprender…
      Fui em busca desse filme na Netflix e não achei :/ Mas vi que Dylan é um dos roteiristas e me interessei. Vou procurar em outros meios :p

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